A secretária de educação Eurides Brito, hoje deputada distrital, teve fundamental participação na implantação da Escola Classe Casa Grande. Apoiou também outras iniciativas comunitárias deste núcleo rural. Repórter – Qual foi sua participação na implantação da Escola Classe Casa Grande? Eurides Brito – Primeiramente quero louvar a iniciativa de vocês, de estarem resgatando a memória de Casa Grande. Quando a gente fala de Casa Grande não é possível deixar de falar neste casal simpático, lutador e insistente: o professor Aníbal e a dona Dione. Conheci-os quando eu ainda estava no conselho de educação do ministério da educação. O Aníbal já nos procurava para falar sobre a outra entidade da qual ele também participava: a associação dos bibliotecários. Ele é um homem lutador que sempre está em alguma frente, ou em todas elas pelo mesmo motivo. Em 1979, com a minha ascensão ao cargo de secretária de educação do Distrito Federal, o Aníbal me procurou pleiteando uma escola para Casa Grande. Mas ele não pleiteia como a maioria dos líderes comunitários, que manda um ofício e fica esperando que as coisas aconteçam. O Aníbal põem o ofício debaixo do braço, faz plantão no gabinete da autoridade, despacha pessoalmente, mostra as necessidades, discute e argumenta. Estou descrevendo como ocorreu a cena em 1982, quando criamos esta escola. Pelas condições normais da secretaria, a solução seria disponibilizar transporte e levar os alunos para estudarem na cidade mais próxima. Repórter – Porque não foi assim com Casa Grande? Eurides Brito – A gente presta mais atenção quando vê uma comunidade reivindicante das coisas boas, pertinentes, e que não aceita justificativa ainda que embasada. Quando se vê esta garra da comunidade, não tem como não atropelar qualquer plano de prioridades e priorizar esta comunidade sensivelmente consciente. Eu sempre digo que a construção desta escola foi antecipada graças ao trabalho aguerrido do professor Aníbal. Repórter – Você visitou a comunidade na época? Eurides Brito – Visitei e verifiquei pessoalmente o que tinham a oferecer para esse empreendimento educacional. Para não atrasar o processo o Aníbal cedeu as dependências da associação dos bibliotecários que ficava ali e da qual ele era o presidente. Então criamos a Escola Classe Casa Grande, com uma pequena sala de aula e um cômodo improvisado que servia de secretaria. Repórter – Depois deste pequeno embrião foi construída a escola definitiva, onde funcionava até a 8ª série. Em 2001 se implantou aí o ensino médio, também com o seu aval de secretária da educação. Poderia nos falar sobre isso? Eurides Brito – Em 2000 foi feito o pleito e em 2001 foi posto em funcionamento o ensino médio na Escola Classe Casa Grande. Estive afastada por um tempo da Secretaria da Educação, para onde retornei em 1999. E lá volta o professor Aníbal com a seguinte conversa: ‘como a senhora já fez a primeira parte, poderia agora fazer também a segunda, para que levássemos o segundo grau a Casa Grande’. Contra argumentei dizendo que ali não havia massa crítica que justificasse a implantação do ensino médio, que significa muitas disciplinas, encargos, professores, etc. Ele retrucou: ‘tem sim e eu vou provar’. No dia seguinte voltou com um abaixo assinado nominal de todos os alunos potenciais do segundo grau daquela escola. Diante disso me rendi: ‘Aníbal, você é ótimo! Não apenas pleiteia como também já vem documentado para dirimir qualquer dúvida’. Com aquela lista eu tinha os elementos necessários para pleitear recursos. Para acelerar o processo colocamos como se fosse o anexo de uma escola secundária do Gama. Sinto-me feliz de ter contribuído com o esforço desta comunidade no setor da educação. Repórter – Outra participação sua decisiva para beneficiar Casa Grande foi a criação da Lei 3.471/06, que instituiu a ‘Corrida Rural’ no calendário de eventos oficiais do Distrito Federal. Porque investiu nisso? Eurides Brito – Via de regra, todos os eventos de esporte e lazer do Governo do Distrito Federal têm características nitidamente urbanas. Quando se apóia eventos na área rural ele sempre está ligado a algum aspecto da produção: festa do morango, do pimentão, da melancia, do churrasco, etc. Como se a população rural não tivesse as mesmas necessidades da população urbana para ser atendida em sua plenitude. Então achei genial a idéia da ‘Corrida rural’. Para quem não conhece, a primeira pergunta que vem à mente é: ‘como é que se vai correr na área rural?’. Conclui que, pelas características da região e pela natureza do pleito, seria muito interessante a inovação que o evento traria até mesmo como sugestão para outras comunidades rurais. É a conjugação das atividades físicas, intelectuais e espirituais que torna o homem completo. Essa iniciativa é muito oportuna e espero que sirva de exemplo. Repórter – Além da educação, em sua carreira você demonstra cuidado especial com a área rural. Porque essa dedicação? Eurides Brito – Talvez seja uma marca de vida. Minha relação com a área rural é um tanto triste. Sou paraense, nasci no interior do município de Capanema, filha de migrantes cearenses que se estabeleceram ali para cultivar mandioca. Meu pai montou um pequeno comércio e trabalhava na roça. Seu coração generoso o levou à falência comercial. Tiveram dez filhos, mas cinco morreram por desnutrição e falta de assistência. Minha mãe decidiu que mudaríamos para Belém. Meu pai resistia sob o argumento de que ele, um homem da roça, não teria nada a fazer na cidade. Ela insistiu e partiu com os cinco filhos, entre eles eu. Bateu às portas de uma prima rica, pediu um empréstimo, alugou um barraco e comprou uma máquina de costura com o que passou a nos sustentar. Percebendo que nós não voltávamos, meu pai veio se juntar a nós. Mas na cidade ele não tinha nada a fazer. Tornou-se então lenhador na periferia de Belém. Um dia foi para as matas e não retornou. Minha mãe passou a noite agoniada e, no dia seguinte, percorreu as delegacias próximas para saber se havia noticias dele. Mais tarde o encontraram morto numa posição como se estivesse cortando uma árvore. Ele havia contraído a malária. Morreu quando eu tinha 5 anos. Isto me faz sentir o drama do homem rural que veio morrer na cidade. Por isso, no Distrito Federal dediquei sempre muita atenção ao desenvolvimento educacional da área rural. Criamos o projeto das escolas pólo que davam sustentação a outras escolas mais distantes, até que elas alcançassem sua autonomia. Depois começamos a investir em gratificações para professores que iam lecionar na área rural. Investíamos também em laboratórios e programa de treinamento. O diretor das escolas rurais era chamado de encarregado, então criamos a função de diretor, nas mesmas condições dos diretores das escolas urbanas. Fiz recentemente uma emenda no programa da bolsa universidade do governo Roriz, para que fosse reservada uma cota de 5% para alunos da área rural.Repórter – Casa Grande foi citada num documento oficial, como área de expansão do Recanto das Emas. O que você acha disso? Tem participado das discussões do Plano de Desenvolvimento e Ordenamento Territorial (PDOT) do Distrito Federal? Eurides Brito – Foi bom que neste primeiro momento o PDOT não tenha sido aprovado, porque ainda existem vários questionamentos que precisam ser repensados. Em março (2006) retomamos a discussão na Câmara Legislativa. Considero indispensável que as questões do PDOT voltem a ser discutidas com a comunidade. Às vezes a comunidade participa da discussão, mas não tem acesso ao texto final da lei antes dela ser aprovada, e fica sem saber se suas reivindicações foram ou não atendidas. O que fizermos na Câmara Legislativa deve representar os anseios da comunidade. Essa é nossa função, nosso dever. Repórter – Algo mais a dizer? Eurides Brito – Transmita meu abraço carinhoso à comunidade de Casa Grande. Diga que, na medida do possível, estaremos sempre colaborando. Ali é um lugar que visito bastante, porque gosto de ver esta comunidade trabalhadora, ordeira, que sabe o que quer. Nunca Casa Grande iria aceitar um plano diretor imposto. É uma comunidade consciente. |
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