Direito à educação

Em Casa Grande uma conquista abre espaço para a outra. Juntamente com a luz elétrica se lutou para conquistar a luz do saber.

Repórter – Como se deu a implantação da Escola Classe Casa Grande?

Aníbal – Antes mesmo de inaugurarmos a rede elétrica já havíamos começado a batalhar pela construção da escola. Na época estava proibido qualquer tipo de serviço público nas chamadas áreas irregulares. Mas eu como professor, sabendo que a comunidade não tinha onde estudar, corri atrás da educação. Em 1984 a secretária da educação era a Eurides Brito. Sendo ela uma pedagoga entendeu que, apesar do decreto, a educação era prioridade. Se nós arranjássemos 32 alunos ela abriria a escola no núcleo rural. A dona Dinora Cayres e o Argemiro Arruda saíram abaixo de sol quente cadastrando as crianças. Aqui ao lado havia a sede da Associação dos Bibliotecários, da qual eu era presidente, e montamos ali a sala de aula. A primeira professora foi a Socorro e a primeira funcionária foi a dona Luzia, que veio a se alfabetizar na própria escola em que trabalhava. Foram aparecendo cada vez mais alunos e então conseguimos a autorização para construirmos uma escola definitiva em Casa Grande.

Repórter – Foi fácil essa construção?

Aníbal - O projeto foi feito pela Ada Lúcia Tiburtino de Oliveira, esposa do companheiro Sena, e Maria da Graça Porfírio de Brito. No dia 20 de novembro de 1984, dia de vento, frio e garoa, monsenhor Arlindo, que tinha uma chácara aqui próxima, deu a benção e íamos começar a construir a escola. Então chegou a polícia impedindo a construção, com base no Decreto 8.690. A Fundação Educacional que estava nos ajudando se retirou e nós, com a cara e a coragem, prosseguimos a obra. Foram 68 mutirões até que concluíssemos a construção. Vínhamos para cá todos os fins de semana. Eu ia para frente da obra e a Dione, a Marta, a dona Joana e outras pessoas iam para a cozinha fazer a comida para o pessoal. Antes das refeições reuníamos o grupo e eu fazia uma preleção, sobretudo para as crianças que compareciam em grande número. Incutia em suas cabeças a idéia de que ‘criança que constrói, não destrói. Comunidade que faz, não desfaz’. Havia amor pela escola que estávamos fazendo. A idéia pegou a tal ponto que durante 14 anos não foi necessário nenhuma reforma, nenhuma carteira foi quebrada, etc.

Repórter – 68 mutirões aos finais de semana significa um período de mais de 5 anos. Nesse tempo a obra transcorreu normalmente?

Aníbal - Durante a construção da escola houve muitos fatos interessantes. Certo dia a Dione me perguntou: ‘Aníbal, amanhã vai haver mutirão?’ Respondi que sim. ‘Mas como, se não há nem material de construção e nem comida? Você tem dinheiro?’ Respondi que não. Mas de qualquer maneira vamos levar a comunidade para lá a fim de que todos tomem consciência da situação. Parti com a buzina ‘pão pão pão’. A turma já sabia: antes era o pão que estava chegando e agora se tratava de um chamado para o trabalho. Quando estávamos descendo, num grupo de 15 ou 18 pessoas, nos alcançou um cardilac preto, do doutor Isaías, que mora aqui até hoje. Ele me chamou e disse: ‘Ô Aníbal, eu soube que você está com dificuldades’. Eu disse: ‘Põe dificuldade nisso’. ‘Qual é a sua dificuldade?’ ‘Pois hoje não vai haver mutirão porque estamos absolutamente sem nada’. ‘Aníbal, de quanto você precisa?’ ‘Isaias, eu preciso de cimento, areia tijolo, ferro e alimentos’. Ele enfiou a mão no bolso, pegou seu talão de cheques e assinou uma folha em branco. Perguntei se ele estava louco. Respondeu-me que ele não tinha saco para fazer o que eu fazia e estava certo de que eu não fugiria com sua riqueza. Então deixei a turma na obra e fui para o Gama, onde tinha a loja Pureza, cujo dono, o Sebastião, tinha chácara aqui e também se prontificou a ajudar. Vendeu todos os materiais a preço de custo, abrindo mão da margem de lucro, e ainda nos devolveu dinheiro para que comprássemos alimentos. Naquele dia o mutirão começou tarde, mas houve mutirão.

Repórter – Emocionante! Então toda a comunidade participou da construção da escola?

Aníbal - Foram 68 mutirões onde a comunidade trabalhou pra valer. A maioria das crianças da época hoje são mães e pais de família, por que já se passaram 22 anos. Um mês antes da inauguração da escola nós fomos atrás do Pompeu de Souza, que era o secretário de educação do GDF e um jornalista formidável. Ao ouvir nosso relato sobre a história da construção da escola ele começou a chorar. Prontificou-se a ressarcir o débito da Secretaria de Educação para com nossa comunidade. Ajudou na montagem da escola (carteiras, livros, etc.) e disponibilizou professores. O discurso inaugural proferido pelo professor Fábio Bruno foi emocionante. Depois teve um churrasco e emendamos com as festividades de carnaval que, naquele ano, em nossa comunidade, duraram quatro dias com muita alegria. Foi uma senhora festa. No começo a escola oferecia até a oitava série. Depois, no governo itinerante de 2001, realizado no Gama, a Eurides Brito conseguiu implantar aqui o segundo grau. Hoje a escola tem quase 700 alunos e aproximadamente 65 professores e funcionários. O analfabetismo caiu a praticamente 0%.

Comments