Caso emblemático em Casa Grande é o Marquinhos. Exemplo comovente de investimento na matéria humana. Quando seu Aníbal e dona Dione o conheceram ele literalmente rastejava, vítima de paralisia infantil. Repórter – Você poderia nos contar mais essa história? Aníbal – Como já falei, o movimento comunitário em Casa Grande começou aqui na minha chácara. As pessoas eram muito carentes. Realizávamos reuniões aos sábados, onde distribuíamos os pães que ganhávamos da ‘Pão & Companhia’. Discutíamos nossos problemas e tomávamos decisões. Comparecia bastante gente. Notei certa vez uma família (os pais eram o Zelito e a Conceição) que tinha três filhos pequenos. Dois vinham carregados no braço e o terceiro era trazido num carrinho de mão. Ao chegar aqui o largavam no chão e ele ficava rastejando. Comentei com a Dione e decidimos adotá-lo. O Zelito não concordou com a adoção, mas mesmo assim nos prontificamos a dar auxílio a eles no sentido de procurar tratamento para o menino. Repórter - De onde veio o auxílio? Aníbal - Entre meus contatos havia a Ercita, esposa de um dos diretores do hospital Sara Kubitschek. Por ela chegamos ao médico Campos da Paz que foi taxativo dizendo que não havia solução para o caso. Então a Dione, muito espontânea, falou: ‘Doutor, o senhor faz a sua parte e Deus faz o resto’. Ele retrucou: ‘Vocês se responsabilizam pelos riscos e procedimentos?’. Responsabilizamos-nos. Fizeram uma porção de exigências, entre elas higienizá-lo completamente e acompanhá-lo por anos durante todo o tratamento. Ele praticamente entrou para a nossa família. Acompanhou todos os 68 mutirões de construção da escola, onde seu papel era regrar a diversão dos trabalhadores. Na época havia apenas duas formas de se divertir em Casa Grande: beber cachaça e fazer filhos. Para os mutirões eu levava sempre a cachaça e o Marquinhos controlava para que ninguém se excedesse. Eu não ficava todo o tempo lá, mas o Marquinhos ficava e o pessoal tinha um respeito muito grande por ele. Repórter - Nesse tempo ele já estava sendo tratado? Aníbal - Quando nós o assumimos ele se encontrava cheio de vermes, piolhos e tinha um cascão muito grande na pele, que descia pelo braço, barriga e pernas, devido a andar rastejando. Para ser operado não poderia ter nada que pudesse propagar infecções. Para isso a Dione assumiu o papel de mãe, enfermeira e amiga. Foi finalmente marcada a operação e nesse dia a comunidade parou para rezar e pedir a Deus por ele. O Marquinhos era muito querido, uma espécie de mascote da comunidade. Para se recuperar passou por várias fases: aparelhos, cadeira de rodas, muletas... Por fim aboliu tudo isso e hoje, aos 28 anos de idade, anda sem nenhum equipamento, apesar de se mover desengonçado. Mora no Recanto das Emas, está casado e trabalha no Ministério das Comunicações. Participa de uma associação de portadores de necessidades especiais. Quero ressaltar também a importância que minhas duas filhas adotivas e outras crianças tiveram na sua recuperação. É muito gratificante ver que hoje ele é menos um ser humano a rastejar. |
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