Movimento comunitário

Aníbal Coelho é o principal fomentador desse movimento ao qual se somam cada vez mais pessoas simpáticas à causa, sendo hoje seu principal objetivo a resistência pelo não parcelamento das chácaras que caracterizam a área como núcleo rural. A história de Casa Grande se confunde com a experiência de vida do professor Aníbal, que traz destacadas na bagagem a mobilização e organização social.

Repórter – Como foi esse trabalho aqui em Casa Grande?

Aníbal - Nós começamos o movimento comunitário entre 1980 e 1981. Em 1979, aproveitando uma viagem que fiz para um congresso latino-americano de biblioteconomia na Bahia, minha mulher, a Dione, comprou uma chácara no Núcleo Rural Casa Grande. Ela já havia me falado dessa vontade, mas eu dizia que não queria mais saber de roça, porque havia me criado na roça. Mesmo assim vim conhecer e me encantei com o lugar. Em 1980 realizamos uma missa celebrada pelo padre salesiano Virgínio Fistarol.

Repórter – Foi quando e como tudo começou?

Aníbal – Para realizarmos essa missa saímos por todo o núcleo rural para convidar as poucas pessoas (mais ou menos 40 famílias) que aqui moravam. A grande maioria era composta por caseiros. Nessa andança percebi que essas pessoas não estudavam, porque moravam longe da escola. Bolei um questionário científico a fim de fazer um levantamento socioeconômico dessas pessoas. Cheguei a uma conclusão que me deixou estarrecido como professor e como brasileiro: 84,38% eram analfabetos; 97,73% não tinham carteira assinada ou qualquer tipo de contrato. Foi então que decidi ser uma espécie de agente social, um elemento de ligação entre o governo e a comunidade.

Repórter – Como foi essa experiência?

Aníbal – No começo todas as portas se fecharam. Menos uma, a Emater, que nos deu todo o apoio para que formássemos a associação dos moradores. A primeira reunião foi em 1981, aqui mesmo na minha chácara. Para fazer essa reunião fui à empresa imobiliária que vendia as chácaras e peguei a lista de todos os proprietários para os quais mandei uma carta convite. Os que aceitassem o convite, que viessem participar da reunião. Os que não achassem válido, que desconsiderassem o convite. Apareceram uns 20 proprietários. Para a segunda reunião pedi às pessoas que trouxessem sombreiros e lanche, porque ainda não havia nenhum conforto que pudesse oferecer. Discutimos bastante e decidimos formar a associação. O Vilmar Oliva Salles assumiu a presidência, o José Mário Calvoso foi o vice e eu o secretário geral. Ficamos encarregados de fazer o estatuto. O Luciano Schubert Perini, que morava no acampamento de Furnas, hoje Samambaia, e o Zé Mário, que morava próximo do hospital São Vicente de Paula, em Taguatinga, nos acolheram em suas casas, onde escrevemos o estatuto da associação.

Repórter – Qual foi o papel da Emater?

Aníbal – O papel da Emater foi muito importante porque o então governador José Aparecido baixou o Decreto 8.690, que proibia todo e qualquer serviço público nas áreas ditas irregulares. Nessa época a classe média, não suportando pagar aluguel no Plano Piloto, Guará, Núcleo Bandeirante..., começou a se voltar para as áreas rurais, dando início ao processo de criação de condomínios, chamados irregulares, no Distrito Federal. O governo foi taxativo: proibiu qualquer ação pública nessas áreas. Então todos os órgãos se fecharam, com exceção da Emater, com o apoio da qual começamos o movimento.

Repórter – E então?

Aníbal – As reuniões eram feitas aqui na minha casa. Tinha uma padaria na quadra comercial 208 sul, a Pão & Companhia, que investia muito na qualidade dos produtos. Tudo o que dormia ou esfriava não era mais vendido. Porém, ao invés de jogarem fora eles me doavam e eu, todos os dias, às seis horas da manhã, pegava esses alimentos e trazia para Casa Grande. Era 1982, 1983. Eu tinha uma buzina, que uso até hoje, que emite um som mais ou menos assim: ‘pão pão pão’. Usava para avisar o pessoal que estava chegando com o pão. Todos os sábados fazíamos uma reunião com objetivos religiosos, nas quais aproveitávamos para tomar decisões de interesse comum e para distribuir o pão. As pessoas se comportavam civilizadamente. Alguém da Emater escreveu um artigo dizendo que educação e pão mudam Casa Grande. Através do pão administrávamos conhecimento e decidíamos as coisas. A partir dessas reuniões a gente fez a primeira estrada para o Gama. Foi assim que a associação começou a agir nesse lugar.

Repórter – Percebo que aqui o movimento comunitário relega a segundo plano a divisão de classes sociais. Por exemplo, para a associação praticamente não há distinção entre caseiros e proprietários das chácaras. Poderia nos falar sobre isso?

Aníbal – Fiquei muito tempo isolado no movimento comunitário porque o primeiro presidente da associação entendia que era necessário haver a distinção entre proprietários e caseiros. Mas nos mutirões todos tinham a mesma importância. Antes das refeições fazíamos uma oração na qual se reforçava a idéia de que estávamos construindo juntos e juntos iríamos conservar para o bem de todos. Quem constrói não destrói. A maioria dos proprietários aderiu e contribuiu muito nesse processo.

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