Pavimentação

Chegar a Casa Grande hoje é rápido e agradável. A vista das paisagens é gratificante até a chegada na igreja São Francisco, onde tudo nos leva à meditação. Mas nem sempre foi tão fácil e rápido atingir este elevado estado espiritual. O caminho era quase inacessível.

Repórter – Como Casa Grande conseguiu pavimentar, ainda em 1996, sua principal via de acesso?

Aníbal – Nós sempre tivemos a preocupação de gerar renda para os chacareiros, o que começou com o surgimento das agroindústrias. Mas havia o problema da má qualidade das estradas que dificultava o escoamento da produção e o trânsito de veículos em geral. Isto nos levou a desejar asfaltar pelo menos a via principal. Fizemos reuniões, procuramos o governo e constatamos que, na ocasião, por meio dele era quase impossível esta realização. A filosofia de Casa Grande é: ‘quando o governo não pode a gente se reúne e faz o benefício por conta própria’.

Repórter - Como das outras vezes, todos os moradores regaçaram as mangas e partiram para mais este empreendimento comunitário?

Aníbal - O grupo que se reuniu não foi muito grande, mas o suficiente para que tomássemos a decisão. O justo seria que todos que utilizariam o asfalto, contribuíssem para sua implantação. Contudo, se formou um grupo decidido, no qual saliento o José Carlos Silva, da Criativa, que foi quem teve a iniciativa. Em Casa Grande não existe DNA falso: todos os projetos têm seus pais verdadeiros. Quanto ao asfalto, a iniciativa foi do José Carlos. Ele se movimentou muito para que conseguíssemos isto. Depois se juntou a ele o José Alberto, o Marcão e outros. Conseguimos do Departamento de Estradas e Rodagem (DER), sob o comando do Governo Popular e Democrático, que fizessem o projeto técnico e o estudo de impacto ambiental. Selecionamos a empresa Ser Terra para executar. Na época o governo não executava nenhuma obra e as empresas estavam carentes de serviço.

Repórter – Porque escolheram a Ser Terra?

Aníbal - A Ser Terra apresentou um orçamento bastante viável, para ser pago em 10 prestações. Então começamos a nos movimentar. Lembro que eu ia lá para a entrada da DF 475 e ficava o dia inteiro parando os carros a fim de conscientizar a turma sobre os benefícios que adviriam. Mas não houve consenso. A unanimidade é quase impossível em todas as comunidades e empreendimentos. Muitos não queriam e, em vez de ajudar, procuravam atrapalhar. Houve até tentativas de me eliminar da liderança. Estávamos lá eu e o José Lopes, que depois veio a falecer vítima de um raio, quando um senhor barbudo ameaçou jogar sua caminhonete em cima de nós umas três vezes. É um morador que não se associou à APNRCG e não participa de nada. Mesmo assim continuamos e, quando chegamos ao número de 131 companheiros que aderiram, então fechamos o contrato com a Ser Terra e o trabalho começou. O asfalto, feito em seis meses, foi inaugurado no dia 28 de abril de 1996.

Repórter - Custou muito caro?

Aníbal - Ficou em mais ou menos R$ 2.650,00 por pessoa, pagos em 5 vezes. Custou aproximadamente R$ 49 mil por quilômetro linear. A pista tem 8,5 quilômetros. Se todos que a usam tivessem aderido, o valor baixaria para aproximadamente R$ 39,00 por pessoa, porque cerca de 6 mil pessoas utilizam essa estrada. Quem cuidou da arrecadação do dinheiro foi o Luis Marcos, que guardava os cheques em sua casa e depois efetuava os pagamentos à empresa.

Repórter - O asfalto ficou bom?

Aníbal - É asfalto frio, mas de muito boa qualidade. O DER, que tinha feito o projeto e o estudo de impacto ambiental, ficou encarregado também de fiscalizar a obra. Como o dinheiro não saia do próprio bolso eles foram rigorosos e nós só pagávamos mediante o aval deles. O dono da Ser Terra passou apertado e quase quebrou por causa disso. Finalmente inauguramos o asfalto num churrasco com a presença de aproximadamente 700 convidados, entre eles o então governador Cristóvão Buarque e seu secretariado. O Governo do Distrito Federal aproveitou bem esta obra como fator de marketing para que outras comunidades aderissem. Enquanto ele custeou uma parte, nós arcamos com três partes do custo. Na época tentamos nos juntar com a comunidade de Ponte Alta de Cima, para que fosse asfaltada também a DF 475, que vai para o Gama. Mas eles não aderiram, então esperaram até 2005 para terem o asfalto. Logo que foi inaugurado tivemos um problema com três firmas que extraiam areia onde a pista faz a curva e trafegavam por ela com caminhões pesados. Estas firmas não colaboraram com a construção do asfalto e ainda por cima o danificaram muito. Mas você pode reparar, o asfalto ainda está bastante bom.

Repórter - Como repercute entre os moradores a não adesão aos projetos da comunidade?

Aníbal – Isto é uma coisa bastante discutida. A companheira Marta, que havia ajudado bastante na construção da escola, chegou e disse: ‘eu vou pagar para que minhas filhas passem por esse asfalto de cabeça erguida e não ruborizadas por não havermos contribuído’. Em todos nossos projetos a adesão não é da maioria total. Mas nem por isso nos privamos dos benefícios.

Comments